Retornei a ler o finalzinho da tragédia de Medeia e Jasão, de Eurípedes (um mito onde o amor , traição e vingança estão presentes), não era uma boa leitura para aquele dia, talvez.
Tentei concentrar na leitura com o cara resmungando palavrões, e sua voz foi alterando á medida que os palavrões ficavam mais "cabeludos", era um vocabulário chulo que eu nunca havia ouvido de uma só boca. Repentinamente o cara tocou no meu umbro abruptamente perguntando aos gritos "porque eu estava olhando para ele" e repetindo sempre "pensa que sou bicha?". Fiquei calado e mantive a serenidade.
Ele então afastou-se e, inesperadamente investiu em minha direção com um passo largo e punhos cerrados. Automaticamente me levantei e ele recuou, mas continuou gritando e xingando e eu sem entender apenas dizia para ele manter-se afastado e não me tocar.
Deveria ter por volta de 50 anos, cerca de 1,70M com enormes olheiras. Claro que estudei as possibilidades, era bem menor que que eu e estava com a "guarda" sempre baixa deixando o queixo à disposição para um belo soco. Mas mantive a postura defensiva pensando apenas em chegar em casa, tomar um banho e ler as últimas linhas do livro que estava aberto na poltrona.
Os passageiros se dividiram como o Mar vermelho, parte foi para o fundo e outra junto à catraca e também começaram a gritar, mulheres reprovavam a atitude do exaltado, e curiosamente, os homens ordenavam que eu desse uns merecidos sopapos no agressor.
O motorista reduziu a velocidade facilitando um eventual inicio de round, o cara calou, cruzou os braços e baixou as pálpebras eu puxei o sinal de parada torcendo para que ele não descesse no mesmo ponto. Lembrei meu tempo de moleque e minha mãe dizendo para nunca chegar em casa com a cara quebrada... Atravessei o ônibus sob o elogio dos demais passageiros e tapinhas nas costas. Cheguei em casa com uma mescla de ódio e alívio e antes de qualquer coisa, terminei a leitura de Medeia. Eurípedes sabia das coisas...
Itabuna, BA. Marcos Mauricio.