domingo, 9 de julho de 2023

Exposição reúne obras de Júlio Veredas inspiradas pelo músico Elomar Figueira Mello e escritor João Guimarães Rosa

No final dos anos 1970, ao ganhar uma fita cassete de um artista cujas músicas contavam com um dialeto próprio e com uma sonoridade que estabelece um novo paradigma para a música erudita brasileira, o artista plástico Júlio Veredas se viu completamente apaixonado pela obra do músico e compositor Elomar Figueira Mello. Sua aproximação com a obra de Elomar fez com que se iniciasse ali uma série de obras artísticas atravessadas pela musicalidade do músico e que, agora, estão reunidas na exposição Profundus, Sertanus, Incantatus, que entra em cartaz no Centro Cultural São Paulo (Piso Flávio de Carvalho - Lateral 23 de Maio) a partir do dia 20 de julho, quinta-feira, a partir das 17h. No dia de abertura, às 20h, haverá uma apresentação musical com repertório de Elomar Figueira Mello comandada pelo maestro e violonista João Omar e a violoncelista Gabriela Mello, filho e neta de Elomar, respectivamente. A mostra, com curadoria do mestre em artes visuais Allan Yzumizawa, traz aproximadamente trinta obras de Júlio - entre desenho feitos em grafite sobre papel, nanquim sobre papel e aquarela - criadas desde o início dos ano 1980, quando conheceu Elomar pessoalmente -, até 2022. O projeto é realizado com o prêmio Exposição Inédita do PROAC 2022 com apoio do Centro Cultural São Paulo. Conhecido por uma obra influenciada drasticamente pela música e pela literatura, Júlio conta que os trabalhos apresentados nessa exposição inédita também são influenciados pela poética do escritor João Guimarães Rosa, que reconstrói a imagem do sertão e o universaliza quando transcende o eterno conflito entre o ser humano e o destino que o espera - característica comum com a música de Elomar Figueira Mello.Sob a perspectiva da busca e exploração do sertão de si mesmo, Júlio Veredas ilustra essa encruzilhada de onde partem e convergem inúmeros caminhos e alternativas que habitam seu íntimo. "O título dessa exposição traz algo do encantamento que flagrei na minha convivência com amigos que vivem na Caatinga", conta Júlio. "Muitas vezes eles me contavam suas histórias em botecos na beira de estradas e eu contava as histórias do que estava vivendo em São Paulo. Mesmo morando lá por muito tempo, não me sentia um vaqueiro, um catingueiro, e é nessa troca que nossas histórias ganhavam um certo encanto, uma formação de nossas identidades", completa o artista.
Elomar Figueira Mello, baiano de Vitória da Conquista, é compositor, escritor, violonista e cantor. Hoje, com 85 anos, é considerado um artista ímpar na música brasileira e sua obra surge como um marco significativo dentro do panorama da música popular brasileira, marcada pela forte presença de variantes dialetais, arcaísmos e neologismos, formando uma linguagem muito característica fundada na oralidade sertaneja. Suas letras abrangem uma ampla gama de temas, na maior parte das vezes vinculado ao imaginário rural do sertanejo nordestino, ainda que com elementos medievais, cristãos e ibéricos.
Apresentação musical na abertura da mostra
Na apresentação musical pautada para a abertura da exposição, o maestro e violonista João Omar e a violoncelista Gabriela Mello reuniram um repertório de 14 músicas do ambiente sertânico de Elomar Figueira Mello que influenciaram Veredas na criação de muitas de suas obras. São músicas que marcaram o encontro do artista com Elomar, desde quando Júlio Veredas costumava visitar o compositor em sua fazenda, na Casa dos Carneiros, até quando acompanhou Elomar em momentos de gravação, como do Auto da Catingueira, passando também pelos concertos em São Paulo.
João Omar e Gabriela, ambos filho e neta de Elomar, respectivamente, realizam um repertório do cancioneiro elomariano onde se destacam as músicas O Violeiro, sendo esta a que mais referenciou o compositor na compreensão de sua figura artística, as músicas Campo Branco, Arrumação e Cantiga de Amigo, obras de igual valor e que se tornaram das mais conhecidas. Também apresentam duas de suas cantigas que referenciam diretamente a cultura ibérica medieval, sendo elas Acalanto e Rapto de Joana do Tarugo, com estórias de reis e cavalheiros que muito figuram na tradição oral no sertão. Do Auto da Catingueira apresentam a música O Pedido, parte solo com Gabriela ao violoncelo, e a música Clariô, que simboliza as festas no sertão. “Júlio é um malungo, amigo e cúmplice de jornadas, de noites de encontros que ficaram na memória, quando nos reuníamos aqui em Conquista, ora em produções de algum trabalho, ora simplesmente pra gente se encontrar e bater um dedo de prosa. A minha impressão é que estes malungos nos ajudam a seguir acreditando no caminho que trilhamos, carregando no alforge valores que vem se perdendo, mas que ficam sedimentados nas cantigas e quadros e que certamente servirão como fonte para matar a sede de quem quer reviver a alma dum sertão esquecido”, diz João Omar.

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