sábado, 15 de abril de 2023

Romper o silêncio exige coragem das vítimas e cuidado dos jornalistas

Giulia Afiune
Editora de Audiências da Agência Pública
Olá, Lembro quando ouvi o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos falar sobre os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos em uma palestra no Sesc, aqui em São Paulo, em dezembro de 2018. Bolsonaro tinha acabado de ganhar a eleição para presidente do Brasil e o clima era de desilusão, mas o professor, muito claro e articulado, fez uma fala inspiradora sobre a necessidade de "equilibrar medo e esperança" para seguir defendendo os direitos humanos, especialmente em momentos de adversidade. Naquele dia, cresceu minha admiração por ele. Foi por essas e por outras que senti meu estômago revirar esta semana quando a Mariama Correia, editora da Pública, me contou que havia recebido uma denúncia perturbadora. Na esteira de acusações de assédio sexual de alunas contra o professor e sociólogo renomado, uma deputada brasileira queria falar pela primeira vez publicamente sobre o assédio sexual que sofreu de Santos quando ele era orientador de seu doutorado na Universidade de Coimbra. Fiquei perplexa. Como é possível, uma pessoa que defende publicamente os direitos humanos submeter sua própria aluna a esse tipo de violência? Ontem, a Agência Pública publicou a reportagem completa sobre o caso: rompendo anos de silêncio, a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL-MG) relatou uma série de assédios que sofreu anos atrás. Contou à Pública que, na época, não encontrou um canal de acolhimento, de suporte psicológico ou mesmo para tratar denúncias de assédio na universidade. “É uma estrutura muito hierárquica, machista, patriarcal. Boaventura já era conhecido por condutas abusivas. Humilhava estudantes em público, xingava pesquisadoras, tinha posturas impróprias nas festas. Mas era diretor do centro acadêmico. Eu sabia que nada aconteceria com ele”, disse. Não é a primeira vez que vemos homens que cometem violências serem protegidos por estruturas de poder. Lendo esse trecho da reportagem, me lembrei de outro caso revelado pela Pública: o esquema de exploração sexual de meninas e mulheres mantido por Samuel Klein, o fundador das Casas Bahia, também ficou escondido por décadas. Todo mundo sabia, mas a polícia, a empresa e a imprensa ficaram em silêncio, permitindo que os abusos continuassem. Romper com o silêncio e fazer uma denúncia como essa é muitas vezes doloroso e arriscado. Para as vítimas, exige coragem. Para os jornalistas, exige cuidado e respeito. Por isso, fiquei emocionada ao ver a própria Bella Gonçalves falando sobre a reportagem da Pública no Twitter: "Sou uma das mulheres que sofreu assédio sexual por parte deste senhor, que foi orientador da minha pesquisa de doutorado. Depois de anos de silêncio e muita dor, tá na hora de curar. Agradeço imensamente à @agenciapublica pelo cuidado que tiveram comigo em todo o processo." Infelizmente, muitas mulheres seguem sendo vítimas de violência nas universidades, em seus trabalhos, dentro de casa. Por isso, a Pública deve seguir investigando. Ouvir as vozes das vítimas de violência é uma questão de princípio para nós, uma agência fundada e dirigida por jornalistas mulheres. Se você defende o jornalismo feito com rigor, responsabilidade e empatia, fortaleça nosso trabalho fazendo uma doação hoje.
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