terça-feira, 11 de abril de 2023

O show de Trump

Natalia Viana
natalia@apublica.org
Na última terça-feira, acordei às 7h da manhã e fui andar até a rua 57, esquina com a Quinta Avenida. Estava em Nova York no mesmo dia em que a cidade prometia tremer sob o mais recente capítulo da odisseia da Justiça americana para enquadrar o fraudador e golpista americano – ah, também ex-presidente – Donald Trump, por ter tentado perverter o curso da justiça ao subornar a atriz pornô Stormy Daniels durante a campanha presidencial. Ou, mais bem dito: aquela terça-feira, primeiro dia da primavera, prometia ser o mais recente capítulo das reiteradas e incansáveis tentativas de Donald Trump de subverter a Justiça, as eleições e a democracia americana.
A coisa prometia. Mas, diante da Trump Tower, um imponente prédio em um dos metros quadrados mais valiosos do mundo, só tinha polícia. Quatro ônibus impediam a vista desde a calçada oposta, enquanto a frente do prédio estava isolada por gradis de metal, que impediam o trânsito de pedestres. Nos quarteirões ao lado, jornalistas se espalhavam em chiqueirinhos contornados por grades. Câmeras enormes, microfones com logomarcas do Brasil, da Itália, da França, da Coreia do Norte. Manifestante, nenhum. Aqueles que se juntaram por ali na noite anterior foram dispersados pela polícia de Nova York, que deixara 30 mil homens de sobreaviso para o caso de protestos massivos tomarem a cidade. O excesso de policiamento faz parte dos exageros americanos com segurança, mas também revela que havia enorme apreensão no ar sobre o poder de mobilização de Trump, dois anos depois de deixar a presidência da República. Para quem esperava um terremoto, foi decepcionante. A começar pelo próprio Trump, que foi quem anunciou, antes mesmo de qualquer canal de TV, que seria “detido” pela Justiça americana – ele usou a palavra “arrested”, que significa “preso”, e a cobertura da imprensa americana seguiu esse tom como se o ex-presidente fosse mesmo ficar detido em alguma cela. Não foi nada disso. Donald saiu do hotel, fez um gesto com o punho cerrado, simbolizando resistência, foi de carro até a Corte, cujo entorno também estava isolado, e ouviu do juiz as acusações que enfrenta, todas elas por falsificar documentos tentando apagar os rastros do suborno que pagou à atriz pornô (pra refrescar a memória de todo mundo, ela deu entrevistas a canais de TV contando detalhes insalubres sobre seu caso com Donald Trump enquanto Melania dava à luz o filho mais novo). E saiu tranquilão. - WOW eles vão me PRENDER. Não acredito que isso está acontecendo na América. MAGA! – escreveu Trump na sua rede social, Truth Social, antes de se dirigir até o tribunal. O que ele esperava eram protestos massivos, por um lado, mas também muitos holofotes para sua narrativa de vítima de uma perseguição. Os holofotes, como atestavam as dezenas de jornalistas diante da Trump Tower, ele conseguiu. Sites e TVs do mundo todo acompanharam minuto a minuto um ritual vazio e ligeiro, sem muitas consequências além da oficialização de algo que já fora notícia dias antes: pela primeira vez, um ex-presidente dos EUA vira réu em um caso criminal. Nisso, temos que admitir, o ex-presidente americano conseguiu criar um fato político, de novo. À noite, Trump deu um discurso em Mar a Lago no qual repetiu teorias da conspiração, trouxe de volta o laptop de Hunter Biden, e atacou o procurador que está encabeçando a acusação. “Foi um ato de campanha, claro, assim como as mensagens de Trump na rede Truth Social – antes e depois dos eventos, grande parte das postagens mostra pesquisas eleitorais nas quais ele aparece à frente de Ron DeSantis na preferência do eleitorado republicano. Se alguém tinha alguma dúvida, estamos assistindo ao Show de Trump. No dia anterior ao evento, o autocrata da Hungria, Viktor Orban, também entrou no circo, postando na mesma rede uma foto dos dois e a frase: “Siga Lutando, Sr Presidente! Estamos com você!”. E, como tudo no mundo de Trump, seu discurso foi mais uma oportunidade para ganhar dinheiro. Transmitido pela sua rede social Truth Social, que tem quase 10 milhões de usuários, foi a culminação de uma campanha de arrecadação de fundos que levantou R$ 35 milhões apenas nos dias seguintes à notícia que ele seria investigado criminalmente. Muitos observadores políticos esperavam que o fato de Trump virar réu da justiça abriria um flanco para ataques de outros candidatos que buscam a nominação do partido republicano. Não foi o que aconteceu. Os maiores caciques ficaram ao seu lado, ou calados. Até mesmo De Santis afirmou que o caso judicial é contrário ao espírito americano. Mike Rogers, ex-deputado de Michigan que pretende se candidatar, disse à Fox News: “Às vezes temos que colocar a política de lado e dizer ‘essa é a coisa certa a fazer para o país?’. Com certeza isso não parece certo.”  Ou seja: Trump conseguiu neutralizar o custo político de ser investigado, transformando qualquer ataque a ele em algo proibido dentro do partido republicano.  A estratégia tem uma consequência dramática. Está normalizando e tornando mainstream a visão de que a Justiça americana é desonesta e não pode ser confiada. Assim, trata-se apenas na continuidade da estratégia de demolição do Estado de Direito. Perguntei a um advogado americano se não seria, assim, um erro político buscar a condenação de Trump nesse momento. Ele acabara de me dizer acreditar que, com a condenação, Trump vai levar a nomeação dos republicanos. “É preciso buscar a justiça”, ele me disse. “Não tem outro jeito”. Nesse caso, a proximidade do Trumpismo com os Bolsonaro pode vir a ser útil: não vamos esquecer todas as vezes que Steve Bannon e outros influenciadores da ultradireita americana martelaram que as eleições no Brasil foram roubadas pelo STF e o TSE a mando de Alexandre de Moraes. Se a Justiça brasileira decidir investigar e eventualmente prender Bolsonaro, pode-se esperar o mesmo roteiro de vitimização, animação da plateia via “verdades alternativas” e redes sociais cada vez mais radicalizadas, e corrosão lenta, gradual e irrestrita da confiança na Justiça e nas instituições. Os dois pretensos autocratas criam assim uma situação de sinuca de bico: contra eles, fazer o que é certo pode dar tremendamente errado.

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