quarta-feira, 20 de julho de 2022

Ecopolítica e cidadania ambiental

As interações e relações humanas com os sistemas naturais foram e são motivadas essencialmente para o atendimento das necessidades básicas dos humanos e na promoção do seu desenvolvimento social. Assim, as intervenções e possíveis modificações ambientais para atender as demandas da sociedade interferem nas condições ambientais, tanto nas componentes biofísicas como nas socioeconômicas. Essas intervenções têm sido promovidas visando à melhoria da qualidade de vida da população. Entretanto, as observações, registros históricos e documentos institucionais, sobretudo a partir dos meados do século XX, evidenciaram que as ações humanas, embora tenham produzido diversos benefícios sociais, geraram uma significativa degradação da qualidade ambiental ocasionada pelo comprometimento dos ecossistemas naturais e pela exaustão de recursos naturais. Ademais, causaram vulnerabilidade e desigualdade social, ao excluir uma significativa parcela da população do acesso aos benefícios gerados. As evidências revelam que as ações humanas praticadas, embora desenvolvidas para a melhoria da qualidade de vida, têm sido significativamente predatórias e indutoras de desigualdades sociais. Impõe-se, portanto, a busca de alternativas visando à reversão desse processo. A abordagem de alternativas e a busca de novas estratégias para as intervenções humanas vão exigir a compreensão de que a questão ambiental não se restringe à abordagem ecológica convencional circunscrita ao ambiente biofísico. Ao contrário, a questão ambiental está intrinsicamente atrelada às opções sociais de interferência no sistema social nas suas dimensões biofísicas e socioeconômicas. Aderindo à percepção internacional, essa abrangência foi enfatizada no “Relatório do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” (BRASIL, 1991, p. 19), que considera expressamente a relação intrínseca entre ambiente e desenvolvimento, uma vez que a “qualidade do primeiro é o resultado da dinâmica do segundo”. Essa percepção, que rejeita a dimensão econômica como expressão principal do desenvolvimento, foi reconhecida internacionalmente e também consagrada na Agenda 21 Brasileira , cujo texto destaca: “[…] a indissociabilidade entre os fatores sociais e os ambientais e a necessidade de que a degradação do meio ambiente seja enfrentada juntamente com o problema mundial da pobreza.” Nesses termos, as ações humanas praticadas para atender as necessidades sociais devem ser pautadas pela devida compreensão de suas consequências ambientais e, portanto, devem admitir a possibilidade da adoção de alternativas compatíveis como os propósitos de um desenvolvimento social que não comprometa a qualidade ambiental. Na condução dessas demandas torna-se fundamental uma decisão com legitimidade social e que reflita a adoção da melhor alternativa socialmente aceitável. Como salienta Antônio Carlos Robert Moraes em sua obra Meio Ambiente e Ciências Humanas, cabe o entendimento de que a questão ambiental é um “objeto econômico, político e cultural” e, portanto, uma “faceta das relações entre os homens”. Uma “faceta” constituída pelos valores políticos e culturais que determinam as opções para o desenvolvimento pretendido pela sociedade. Desse modo, as opções e alternativas de desenvolvimento social tornam-se uma questão de decisão política sobre as formas de apropriação dos sistemas ambientais, bem como das estruturas de demandas e de produção compatível com o desejo de uma vida saudável, constituindo-se, assim, uma ecopolítica. Nessa perspectiva, as opções e alternativas de desenvolvimento devem ser submetidas previamente às diversas instâncias decisórias com efetiva participação direta da sociedade, a principal fonte de legitimidade das políticas públicas. Nesse sentido, a discussão da problemática ambiental se insere no exercício da cidadania ambiental como direito fundamental, conforme preconiza a Constituição Federal ao determinar no artigo 225:  Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (Grifo nosso). Cabe à sociedade honrar a conquista desse direito de exercer sua efetiva cidadania ambiental reivindicando condições ambientais melhores, indispensáveis para uma vida saudável, e, sobretudo, deve buscar maior engajamento nas lutas sociais e participação nas diversas formas de interferir nas instâncias políticas.
Texto de Severino Agra, conselheiro diretor do Gambá e professor do Departamento de Engenharia ambiental da UFBA

Nenhum comentário: