sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O menino que filmou o enterro de Luiz Gonzaga


Portal Vermelho - O que você fazia no dia 2 de agosto de 1989? Paulo Vanderley estava dormindo num quartinho, em João Pessoa, quando seu tio Marcos começou a bater na porta para lhe acordar: “Ó, teu pai ligou dizendo que Luiz Gonzaga faleceu. Prepara a mala que vocês vão voltar agora para Exu. Ele falou que ia passar em meia hora para pegar você!”, avisou.
O cantor e compositor Gonzaguinha, no velório de seu pai, Luiz Gonzaga, em agosto de 1989
Fazia só três dias que o menino de 9 anos estava na capital paraibana, onde ficaria nas férias escolares. Mas a reviravolta na história conduziu-o naquela data por 600 e poucos quilômetros de estrada rumo a uma despedida que ele recorda com detalhes até hoje.
O garoto morava perto da Igreja que receberia o corpo do artista, após o trajeto que faria entre Recife, Juazeiro do Norte e Crato. Filho do banqueiro Paulo Marconi – que havia se mudado com toda a família para a terra natal de Gonzaga no fim de 1987 e naturalmente se aproximado do Rei do Baião –, o menino não conseguia conter a agitação naqueles primeiros e tristes dias de agosto.
“Eu queria estar o tempo todo perto das coisas, ‘curiando’ os artistas que chegavam para o enterro”, lembra o paraibano Paulo. Residente em Fortaleza, hoje com 39 anos, é uma das principais referências como pesquisador da obra gonzagueana, além de funcionário de um banco.
O clima na cidade era de desolação, como descreveu o repórter Antônio Vicelmo em matéria para o Diário do Nordeste no dia seguinte à morte. “O comércio está fechado, e o prefeito declarou luto oficial por três dias. O restaurante no Posto Gonzagão não funcionou no dia de ontem. O Parque Asa Branca está sendo preparado para receber milhares de admiradores de Luiz Gonzaga, que já estão começando a chegar a Exu”.
A Paulo Vanderley também caberia mais do que observar toda esta situação. O pai lhe daria uma grande responsabilidade no dia do enterro, dia 4 de agosto de 1989: a de gravar, com uma filmadora Panasonic, o trajeto que o corpo faria até o cemitério. Caminhando por entre as milhares de pessoas que lotavam as ruas de Exu, o garoto fez imagens tremidas, amadoras, mas carregadas de um profundo sentimento de reverência e respeito ao ídolo.
Sob o sol de quase quatro horas da tarde, o menino registrou mais de uma hora do povo cantando e dançando os clássicos do Rei do Baião, das mãos carregando cartazes e coroas de flores, e das sanfonas chorando uma saudade que estava apenas começando. Da rua, ele também filmou o caminhão do corpo de bombeiros que carregava o caixão.
Em cima, iam o Padre Gothardo Lemos (cearense parceiro na composição de Obrigado, João Paulo, cantada por Luiz na ocasião da visita do Papa a Fortaleza, em 1980); a companheira de Gonzaga, Maria Edelzuíta Rabelo; o filho, Gonzaguinha, abraçado com um gibão; e o próprio pai de Paulo Vanderley, Paulo Marconi, “venerável mestre” da loja maçônica de Exu, que prestava homenagem ao colega em nome da congregação da qual ele fazia parte.
Das gravações do enterro, que mais tarde seriam editadas para compor o acervo do Museu do Gonzagão, Paulo só se ressente de não ter aparecido em nenhuma. Sua missão era ficar mesmo do outro lado. “Foi uma imersão que eu tive de nordestinidade naquele dia. Ali foi um momento que reuniu todas as tribos, de todos os cantos. Era violeiro, cantador, sanfoneiro, compositor, era todo tipo de gente”, recorda-se.
“Era uma devoção aquilo ali, impressionante. Eu sentia, mas não tinha ideia do que era, não tinha dimensão, não sabia que anos depois eu ia ser um cara que iria contar essa história, pesquisar”, ressalta.
No apartamento de Paulo, em Fortaleza, está guardado um acervo sobre Gonzagão. Na entrada, quadros e estandartes na parede, um tapete com os dizeres “Nordeste mulesta de bão” e a porta de madeira, semelhante às de interior, ajudam a criar um clima de casa-museu, que se completa com as prateleiras da sala de estar. Entre livros, LPs autografados, esculturas e réplicas de peças que o Rei do Baião usou, como chapéus e gibão, destaca-se a filmadora antiga, que registrou o enterro e outras cenas da época em Exu, como a ocasião em que Gonzaga de pijama recebeu Nando Cordel.
Quando criança, Paulo viu sua casa virar um abrigo temporário com peças enviadas por Gonzaguinha para compor o Museu do Gonzagão. Anos depois, seu apartamento cumpre papel semelhante, mas agora com itens diferentes, que ele mesmo adquiriu ao longo dos anos. O pesquisador criou um site sobre Gonzaga e a página Isto É Forró no Facebook. Prestou consultorias para o Museu Cais do Sertão, no Recife; o filme Gonzaga: De Pai para Filho, de Breno Silveira; e o enredo O Dia em que Toda a Realeza Desembarcou na Avenida para Coroar o Rei Luiz do Sertão, da escola de Samba Unidos da Tijuca, campeã do Carnaval carioca em 2012.
Frente a toda essa bagagem física e simbólica que guarda, restou-lhe uma conclusão. “Não tem divisão de classe quando se fala dele. Desde o assalariado, o desempregado ao cara mais rico da sociedade, todos se emocionam ao ouvir Luiz Gonzaga. É incrível como ele transita por todos os territórios, segmentos e todos os tipos de coração”.
Na fala emocionada de Paulo, ainda vive um garoto entusiasta do ídolo. E ele também reconhece em outras pessoas a eternidade de Luiz. “No brilho dos olhos daquele menino, o sanfoneiro Kayro, você vê Gonzaga. É impressionante, uma chama que nunca vai se apagar”. Essa história, aliás, já foi cantada há muito tempo. “O candeeiro se apagou, o sanfoneiro cochilou, a sanfona não parou e o forró continuou”. E continuará.
Com informações do Diário do Nordeste

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