“Nascida no sertão da Bahia, desde cedo optei pelo mundo do meu convívio mais gratificante…” |
Por Leila Kiyomura - Editorias: Cultura
O livro Cavalaria em Cordel: O Passo das Águas Mortas, de Jerusa Pires Ferreira, é um clássico da cultura brasileira. Em 1979, a primeira edição foi da editora Hucitec, que também lançou a segunda edição em 1993. Agora, 24 anos depois, a Editora da USP (Edusp) publica a terceira edição, mantendo o texto das anteriores e a pesquisa que é uma referência para artigos, livros e diversos estudos sobre o tema. A autora é professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, da Universidade de Limoges, na França, e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Autora organizou conjunto de folhetos nordestinos – Reprodução
“Cavalaria em Cordel, que se chamava O Passo das Águas Mortas e por motivos editoriais recebeu o nome que o filia a ciclos narrativos medievais recriados na literatura popular e oral nordestina, já tem hoje a sua história”, observa a autora no prefácio da atual edição. “Partindo de uma vivência profunda e da escuta das coisas sertanejas, da leitura de centenas de folhetos, agregando os legados do sertão às conquistas teóricas do Centro de Estudos de Semiótica em Urbino, na Itália, o livro propõe uma visada ao mesmo tempo estrutural, histórica e circunstanciada.”
Em sua pesquisa pioneira, a terceira edição resgata a base da trajetória da autora com inúmeros artigos e publicações sobre cultura tradicional, memória narrativa e poética. “Uma simples busca pela internet revela muitas citações, a sugestão de estudos e a circulação contínua do texto em livrarias, alfarrábios, repertórios virtuais e trabalhos universitários”, conta a autora.
“Cavalaria em Cordel, que se chamava O Passo das Águas Mortas e por motivos editoriais recebeu o nome que o filia a ciclos narrativos medievais recriados na literatura popular e oral nordestina, já tem hoje a sua história”, observa a autora no prefácio da atual edição. “Partindo de uma vivência profunda e da escuta das coisas sertanejas, da leitura de centenas de folhetos, agregando os legados do sertão às conquistas teóricas do Centro de Estudos de Semiótica em Urbino, na Itália, o livro propõe uma visada ao mesmo tempo estrutural, histórica e circunstanciada.”
Em sua pesquisa pioneira, a terceira edição resgata a base da trajetória da autora com inúmeros artigos e publicações sobre cultura tradicional, memória narrativa e poética. “Uma simples busca pela internet revela muitas citações, a sugestão de estudos e a circulação contínua do texto em livrarias, alfarrábios, repertórios virtuais e trabalhos universitários”, conta a autora.
No universo do cordel, a espada representa a ideologia – Reprodução
Ler o prefácio da segunda edição, também anexado no livro, é indispensável. O leitor vai perceber os caminhos da pesquisa de Jerusa Pires Ferreira ao longo das últimas décadas. E se impressionar ao observar o livro nascer no sertão e ganhar o mundo, fazendo conexões entre a mitologia sertaneja com o universo medieval. É um livro que atravessa o tempo para ser de todos os tempos. “Percebo, agora, e não para falar em causa própria, o quanto este trabalho é atual, apesar de uma linguagem um tanto travada, e sob o impacto direto dos Seminários Internacionais de Semiótica de Urbino, Itália, que frequentei nos anos de 1975, 1976”, lembra a autora. “Há ainda um dado existencial que preciso levar em conta. Ele foi para mim, então professora de literatura portuguesa e pesquisadora de novelas de cavalaria, do medievo ao renascimento, a possibilidade de relacionar a experiência da reflexão universitária com as vivências da infância.”
A autora relata: “Nascida no sertão da Bahia, desde cedo optei pelo mundo de meu convívio mais gratificante e ainda pelo universo de memória narrativa que me transmitiu o meu pai. Foi este trabalho a conciliação do meu caráter com a minha vida, para falar com Lévi-Strauss, quando ele se refere à escolha que fez no campo das ciências e, em particular, da etnografia, em Tristes Trópicos. Neste caso, a descoberta da antropologia, o trânsito das letras para a área das ciências sociais, num ir e vir contínuo.”
Ler o prefácio da segunda edição, também anexado no livro, é indispensável. O leitor vai perceber os caminhos da pesquisa de Jerusa Pires Ferreira ao longo das últimas décadas. E se impressionar ao observar o livro nascer no sertão e ganhar o mundo, fazendo conexões entre a mitologia sertaneja com o universo medieval. É um livro que atravessa o tempo para ser de todos os tempos. “Percebo, agora, e não para falar em causa própria, o quanto este trabalho é atual, apesar de uma linguagem um tanto travada, e sob o impacto direto dos Seminários Internacionais de Semiótica de Urbino, Itália, que frequentei nos anos de 1975, 1976”, lembra a autora. “Há ainda um dado existencial que preciso levar em conta. Ele foi para mim, então professora de literatura portuguesa e pesquisadora de novelas de cavalaria, do medievo ao renascimento, a possibilidade de relacionar a experiência da reflexão universitária com as vivências da infância.”
A autora relata: “Nascida no sertão da Bahia, desde cedo optei pelo mundo de meu convívio mais gratificante e ainda pelo universo de memória narrativa que me transmitiu o meu pai. Foi este trabalho a conciliação do meu caráter com a minha vida, para falar com Lévi-Strauss, quando ele se refere à escolha que fez no campo das ciências e, em particular, da etnografia, em Tristes Trópicos. Neste caso, a descoberta da antropologia, o trânsito das letras para a área das ciências sociais, num ir e vir contínuo.”
Tradição cavaleiresca no folheto de cordel – Reprodução
“O Pavão Misterioso está aí, da Índia à literatura dos folhetos nordestinos, respondendo por esta perenidade.”
Cavalaria em Cordel apresenta a riqueza e a complexidade de “gêneros” da literatura popular com o incontrolável mundo de imaginação de seu universo social, que inventa e reinventa a poesia de todos os tempos e as narrativas de antigas civilizações. “O Pavão Misterioso está aí, da Índia à literatura dos folhetos nordestinos, respondendo por esta perenidade”, argumenta Jerusa.
“O Pavão Misterioso está aí, da Índia à literatura dos folhetos nordestinos, respondendo por esta perenidade.”
Cavalaria em Cordel apresenta a riqueza e a complexidade de “gêneros” da literatura popular com o incontrolável mundo de imaginação de seu universo social, que inventa e reinventa a poesia de todos os tempos e as narrativas de antigas civilizações. “O Pavão Misterioso está aí, da Índia à literatura dos folhetos nordestinos, respondendo por esta perenidade”, argumenta Jerusa.
Capa da 3ª edição/Edusp – Foto: Reprodução
A reflexão sobre o oral e o escrito das raízes da nossa cultura brasileira instiga o leitor a um mergulho no que temos de riqueza na literatura de cordel. Tão popular e ao mesmo tempo erudita. A autora, em uma proposta metodológica interdisciplinar – inusitada para o final da década de 1970, quando apresentou a pesquisa como dissertação de mestrado na Universidade Federal da Bahia –, faz a primeira leitura estrutural dos folhetos nordestinos a um complexo de narrativas cavalheirescas, que incluem as histórias de Carlos Magno, o primeiro imperador dos romanos, e as lendas bretãs do rei desaparecido.
“Apesar de compreender a importância destes estudos, que proporcionam uma ampliação ao entendimento da cultura brasileira, espanta e aturde, no entanto, a cordelmania, a espécie de consumo deliberado e superficial em seu alcance (como, aliás, vem ocorrendo em outras faixas) de um dos mais ricos veios da cultura popular. Seria até preciso dizer que, como sertaneja, é com ressentimento que vejo o poeta popular entrar na máquina de consumo, servindo ora de espetáculo e de exótico ou de pretexto para a aplicação de teorias prontas”, escreve Jerusa na introdução do livro. “O que me animou a prosseguir no caminho escolhido, cavalaria em cordel, foi a possibilidade de tocar em alguns pontos básicos desta retenção complexa.”
Cavalaria em Cordel: O Passo das Águas Mortas, de Jerusa Pires Ferreira. Lançamento da Editora da USP – Edusp, terceira edição, 216 páginas. Preço: R$ 45,00.
A reflexão sobre o oral e o escrito das raízes da nossa cultura brasileira instiga o leitor a um mergulho no que temos de riqueza na literatura de cordel. Tão popular e ao mesmo tempo erudita. A autora, em uma proposta metodológica interdisciplinar – inusitada para o final da década de 1970, quando apresentou a pesquisa como dissertação de mestrado na Universidade Federal da Bahia –, faz a primeira leitura estrutural dos folhetos nordestinos a um complexo de narrativas cavalheirescas, que incluem as histórias de Carlos Magno, o primeiro imperador dos romanos, e as lendas bretãs do rei desaparecido.
“Apesar de compreender a importância destes estudos, que proporcionam uma ampliação ao entendimento da cultura brasileira, espanta e aturde, no entanto, a cordelmania, a espécie de consumo deliberado e superficial em seu alcance (como, aliás, vem ocorrendo em outras faixas) de um dos mais ricos veios da cultura popular. Seria até preciso dizer que, como sertaneja, é com ressentimento que vejo o poeta popular entrar na máquina de consumo, servindo ora de espetáculo e de exótico ou de pretexto para a aplicação de teorias prontas”, escreve Jerusa na introdução do livro. “O que me animou a prosseguir no caminho escolhido, cavalaria em cordel, foi a possibilidade de tocar em alguns pontos básicos desta retenção complexa.”
Cavalaria em Cordel: O Passo das Águas Mortas, de Jerusa Pires Ferreira. Lançamento da Editora da USP – Edusp, terceira edição, 216 páginas. Preço: R$ 45,00.
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