Eudes Quintino de Oliveira Júnior |
Esta modalidade de estelionato, apesar de repetitiva, consegue atingir seus objetivos com certa frequência. Geralmente são dois agentes que participam da encenação. Um fica encarregado de abordar determinada pessoa e a ela revela, após embrenhar em assuntos corriqueiros, ser portadora de um bilhete premiado, mas tem receio de ser enganado ao solicitar seu prêmio, que representa uma razoável quantia. O outro, justificando que se encontrava bem próximo e ter ouvido toda a conversa, de forma desembaraçada e com muita iniciativa, com aparência de negociante esperto, com admirável eloquência, entra em cena na sequência. Confirma o prêmio e faz ver à incauta vítima que se ela oferecer uma determinada quantia, ganhará a confiança do dono do bilhete e dele se apossará, podendo recebê-lo posteriormente em seu valor integral. Assim é feito, o dinheiro é entregue e somente após a vítima percebe a trama ardilosa. Mas já é tarde.Trata-se de uma teatralização encenada publicamente, em que os dois agentes demonstram uma incrível facilidade de expressão de fazer inveja ao mais consagrado ator, pois, sem qualquer escola, a não ser a da rua, desempenham com maestria os personagens a que se propuseram. Como num passe de mágica, reduzem o poder de compreensão da vítima, magnetizando-a, e invadem até a última trincheira de sua resistência, convencendo-a a entregar seus valores de forma consciente, acreditando piamente que irá receber muito mais do que pagou.
Não há dúvida que se trata de um comportamento preconcebido na mais genuína má-fé, pois os agentes, em curto prazo, conseguem ganhar a atenção da vítima, que vai se tornando presa fácil, sem forças para se manifestar e, como um autômato, vai confirmando com a cabeça sua aceitação à proposta feita e passa a cumprir rigorosamente o que foi determinado no protocolo estabelecido pelos estelionatários. Assim agem pelo fato de travarem um relacionamento de inteligência, visando impedir qualquer reação da pessoa durante a operação. Praticam, portanto, atos com relevantes conotações jurídicas, contribuindo ambos para o sucesso da empreitada criminosa, na mais perfeita coautoria. Dizia a história grega que Sócrates desenvolveu uma técnica que, por truques mágicos de lógica, deixava seu interlocutor tão inseguro que aceitava qualquer explicação que lhe fosse oferecida.
A vítima, somente após a aplicação do golpe, vai se recuperar e agora com a sensação total de frustração, de impotência pela sua própria conduta. Vai reprisar todo o iter criminis e irá concluir que o poder de persuasão é tão perigoso quanto o de uma arma, porém com uma sensível diferença: com a arma ocorre a coação, a intimidação, fazendo com que haja a entrega do bem; com o ludíbrio a pessoa faz parte da trama e é convencida a acreditar na veracidade de uma história fantasiosa, entregando conscientemente o que foi solicitado. https://www.migalhas.com.br
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