“Sustentabilidade” para o mercado ver. Ao longo das últimas duas décadas, multinacionais de capital aberto, pequenos fornecedores e empresas de investimentos lançaram mão de sua associação com esquemas de certificação florestal voluntária para mostrar a consumidores e acionistas que estavam comprometidas com diretrizes ecológicas, sociais e de governança (ESG) e que suas práticas não prejudicam o meio ambiente. As chamadas certificações de sustentabilidade oferecidas por empresas privadas não são uma exigência legal, mas se tornaram praticamente uma necessidade para empresas que vendem, produzem ou usam madeira e outras matérias-primas associadas ao desmatamento. No coração desse sistema autorregulatório estão organizações internacionais como o Forest Stewardship Council (FSC), o Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC) e o Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO). Essas instituições se utilizam de informações de empresas de auditoria para avaliar clientes e certificar que madeireiras, empresas que produzem óleo de palma ou vendem outros produtos obtêm seus insumos de maneira responsável e não utilizam materiais ligados ao desmatamento ilegal e a outros crimes ambientais. Por exemplo, em 1997, a editora que publicava J.K. Rowling nos Estados Unidos, aceitou a exigência dela de usar papel certificado pela FSC para imprimir o último livro da série Harry Potter, “Harry Potter e as Relíquias da Morte”. O setor de auditoria ambiental é parte de uma indústria ainda maior de inspeção e certificação que movimenta cerca de US$ 200 bilhões por ano. Estão aí gigantes de auditoria como a KPMG e a PwC, grandes empresas de capital aberto como a multinacional suíça SGS Société Générale de Surveillance SA, e empresas menores como a PT Inti Multima Sertifikasi na Indonésia. Em geral, os auditores fazem avaliações de risco para seus clientes, inspecionam fábricas, entrevistam funcionários da empresa e se certificam de que as operações e os produtos respeitem os padrões ambientais voluntários instituídos por organizações privadas de certificação. O marketing de algumas empresas de auditoria alardeia metas como “proteger as florestas do planeta”, facilitar a “exploração economicamente viável de florestas” e “mitigar o desmatamento”. A conversão da floresta para outros usos — como agricultura ou a construção de estradas — e o desmatamento industrial em florestas primárias estão entre as principais causas da mudança climática. Cientistas estimam que essas práticas sejam responsáveis por mais de 10% das emissões de gases de efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global. A destruição das florestas também agrava inundações e a perda de habitats para a vida selvagem, e contribui para um aumento de doenças infecciosas em humanos, de acordo com cientistas. Com menos árvores disponíveis, alguns insetos hospedeiros de patógenos migram para plantas que são consumidas por animais de fazendas que acabam na cadeia alimentar. Em 2021, o presidente dos EUA, Joe Biden, e mais de 100 outros líderes mundiais reunidos na COP26 da ONU em Glasgow se comprometeram a acabar com o desmatamento até 2030. Desde então, governos prometeram aprovar regulações mais rígidas, e as empresas de auditoria ambiental viram o movimento como uma oportunidade de negócios para promover seus serviços, ajudando clientes a combater as perdas florestais mundo afora. Especialistas consideram que em países onde o desmatamento é generalizado e a ação governamental na área ambiental é fraca, como o Brasil, a certificação voluntária é uma alternativa melhor do que leis de manejo florestal e cadeias de fornecimento que não são aplicadas. Mas no Brasil, onde se estima que 90% do corte de madeira seja ilegal, apenas uma pequena porcentagem das empresas está disposta a mostrar seus livros contábeis e a pagar por certificações caras, de acordo com Marcos Planello, um auditor florestal que opera em São Paulo. “Não é brincadeira. Essa gente anda armada”, disse Planello, sobre a atuação dos madeireiros. “Nós [auditores] só vamos a uma área quando uma empresa quer uma certificação voluntária. Certificações continuam sendo uma maneira válida de ‘reduzir riscos’, mas se uma empresa quiser fazer alguma coisa errada, vai fazer”, argumenta.O setor de inspeção e certificação, que inclui as certificações ambientais, movimenta cerca de US$ 200 bilhões por ano.
quinta-feira, 2 de março de 2023
Mais de 340 empresas com certificado de sustentabilidade são acusadas de crimes ambientais
“Sustentabilidade” para o mercado ver. Ao longo das últimas duas décadas, multinacionais de capital aberto, pequenos fornecedores e empresas de investimentos lançaram mão de sua associação com esquemas de certificação florestal voluntária para mostrar a consumidores e acionistas que estavam comprometidas com diretrizes ecológicas, sociais e de governança (ESG) e que suas práticas não prejudicam o meio ambiente. As chamadas certificações de sustentabilidade oferecidas por empresas privadas não são uma exigência legal, mas se tornaram praticamente uma necessidade para empresas que vendem, produzem ou usam madeira e outras matérias-primas associadas ao desmatamento. No coração desse sistema autorregulatório estão organizações internacionais como o Forest Stewardship Council (FSC), o Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC) e o Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO). Essas instituições se utilizam de informações de empresas de auditoria para avaliar clientes e certificar que madeireiras, empresas que produzem óleo de palma ou vendem outros produtos obtêm seus insumos de maneira responsável e não utilizam materiais ligados ao desmatamento ilegal e a outros crimes ambientais. Por exemplo, em 1997, a editora que publicava J.K. Rowling nos Estados Unidos, aceitou a exigência dela de usar papel certificado pela FSC para imprimir o último livro da série Harry Potter, “Harry Potter e as Relíquias da Morte”. O setor de auditoria ambiental é parte de uma indústria ainda maior de inspeção e certificação que movimenta cerca de US$ 200 bilhões por ano. Estão aí gigantes de auditoria como a KPMG e a PwC, grandes empresas de capital aberto como a multinacional suíça SGS Société Générale de Surveillance SA, e empresas menores como a PT Inti Multima Sertifikasi na Indonésia. Em geral, os auditores fazem avaliações de risco para seus clientes, inspecionam fábricas, entrevistam funcionários da empresa e se certificam de que as operações e os produtos respeitem os padrões ambientais voluntários instituídos por organizações privadas de certificação. O marketing de algumas empresas de auditoria alardeia metas como “proteger as florestas do planeta”, facilitar a “exploração economicamente viável de florestas” e “mitigar o desmatamento”. A conversão da floresta para outros usos — como agricultura ou a construção de estradas — e o desmatamento industrial em florestas primárias estão entre as principais causas da mudança climática. Cientistas estimam que essas práticas sejam responsáveis por mais de 10% das emissões de gases de efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global. A destruição das florestas também agrava inundações e a perda de habitats para a vida selvagem, e contribui para um aumento de doenças infecciosas em humanos, de acordo com cientistas. Com menos árvores disponíveis, alguns insetos hospedeiros de patógenos migram para plantas que são consumidas por animais de fazendas que acabam na cadeia alimentar. Em 2021, o presidente dos EUA, Joe Biden, e mais de 100 outros líderes mundiais reunidos na COP26 da ONU em Glasgow se comprometeram a acabar com o desmatamento até 2030. Desde então, governos prometeram aprovar regulações mais rígidas, e as empresas de auditoria ambiental viram o movimento como uma oportunidade de negócios para promover seus serviços, ajudando clientes a combater as perdas florestais mundo afora. Especialistas consideram que em países onde o desmatamento é generalizado e a ação governamental na área ambiental é fraca, como o Brasil, a certificação voluntária é uma alternativa melhor do que leis de manejo florestal e cadeias de fornecimento que não são aplicadas. Mas no Brasil, onde se estima que 90% do corte de madeira seja ilegal, apenas uma pequena porcentagem das empresas está disposta a mostrar seus livros contábeis e a pagar por certificações caras, de acordo com Marcos Planello, um auditor florestal que opera em São Paulo. “Não é brincadeira. Essa gente anda armada”, disse Planello, sobre a atuação dos madeireiros. “Nós [auditores] só vamos a uma área quando uma empresa quer uma certificação voluntária. Certificações continuam sendo uma maneira válida de ‘reduzir riscos’, mas se uma empresa quiser fazer alguma coisa errada, vai fazer”, argumenta.O setor de inspeção e certificação, que inclui as certificações ambientais, movimenta cerca de US$ 200 bilhões por ano.
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